Fadiga adrenal é real? O que a ciência diz e como avaliar o cortisol
Sente-se constantemente cansada, mesmo dormindo bem? Tem dificuldade em acordar, mas à noite parece ganhar energia?
Se respondeu sim, é provável que já tenha ouvido falar de “fadiga adrenal”.
Este termo popular descreve uma condição de exaustão física e mental atribuída à sobrecarga das glândulas adrenais — responsáveis por produzir cortisol, a principal hormona do stress.
Mas… será que a fadiga adrenal existe mesmo?
Ou é apenas um mito da medicina funcional?
Neste artigo, vamos separar a ciência da confusão e explicar:
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O que são as glândulas adrenais e como funcionam.
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A diferença entre fadiga adrenal e disfunção do eixo HPA (a explicação real).
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Como o cortisol regula energia, sono, humor e imunidade.
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Como avaliar (de forma correta) o seu ritmo de cortisol.
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E o que pode fazer para reequilibrar naturalmente o seu sistema.
O que são as glândulas adrenais e qual é a sua função

As glândulas adrenais (ou suprarrenais) estão localizadas acima dos rins e produzem hormonas fundamentais para a sobrevivência:
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Cortisol: regula stress, energia, glicemia e imunidade.
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Aldosterona: controla pressão arterial e equilíbrio de sódio/potássio.
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Adrenalina e noradrenalina: preparam o corpo para respostas de “luta ou fuga”.
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DHEA: precursora de hormonas sexuais (estrogénio e testosterona).
Estas hormonas são coordenadas pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), um circuito que comunica entre o cérebro e as glândulas.
O mito da “fadiga adrenal”
O termo “fadiga adrenal” foi popularizado em 1998 pelo naturopata James Wilson, para descrever sintomas como:
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Cansaço persistente.
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Dificuldade em acordar.
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Vontade de sal.
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Queda de cabelo.
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Baixa tolerância ao stress.
Wilson sugeria que o stress crónico “esgotava” as adrenais, levando-as a produzir menos cortisol.
👉 Contudo, a ciência não confirma que as glândulas entrem em falência dessa forma em indivíduos saudáveis.
Em 2016, uma revisão sistemática publicada no BMC Endocrine Disorders analisou 58 estudos sobre o tema e concluiu que não existe evidência fisiológica de que as adrenais “fadiguem”.
O que existe é disfunção no eixo HPA — o sistema que regula a libertação de cortisol torna-se desajustado, mas as glândulas continuam estruturalmente normais.
“Fadiga adrenal” é um termo impreciso — mas os sintomas são reais.
O que realmente acontece: disfunção do eixo HPA
Em vez de “fadiga”, a ciência fala em disfunção do eixo HPA (Hipotálamo–Hipófise–Adrenal).
O stress crónico leva o corpo a produzir cortisol em níveis elevados durante demasiado tempo.
Com o tempo, o cérebro começa a “inibir” a resposta ao stress, o que resulta em padrões de cortisol desregulados:
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Cortisol alto constante: ansiedade, insónia, retenção de gordura abdominal.
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Cortisol invertido: energia baixa de manhã e alerta à noite.
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Cortisol baixo crónico: fadiga profunda, apatia, baixa motivação.
📊 Estudos em Psychoneuroendocrinology mostram que este desalinhamento é comum em pessoas com stress prolongado, burnout e depressão.
Como o cortisol influencia energia, humor e hormonas

O cortisol segue um ritmo circadiano natural:
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Pico nas 7–9h da manhã (para acordar e ter energia).
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Queda gradual ao longo do dia.
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Nível mínimo à noite (para permitir sono e reparação).
Quando este ciclo é interrompido:
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Acordar torna-se difícil.
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A concentração cai.
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O apetite e os desejos por açúcar aumentam.
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A produção de estrogénio e progesterona fica comprometida.
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A imunidade enfraquece.
O cortisol não é o vilão — o problema é o ritmo desregulado.
Como avaliar o cortisol corretamente
Muitas pessoas fazem análises isoladas ao cortisol no sangue e recebem resultados “normais” — mas continuam exaustas.
Isso acontece porque o cortisol varia ao longo do dia.
As medições únicas (em jejum) não captam o ritmo circadiano.
Métodos de avaliação mais precisos
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Teste de cortisol salivar (4 amostras/dia)
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Mede o padrão de 24h.
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Indica se há picos ou inversões.
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Recomendado pela medicina funcional e usado em pesquisa.
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Teste de cortisol salivar + DHEA
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Permite avaliar a “reserva adaptativa”.
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DHEA baixo com cortisol alto = stress crónico.
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Ambos baixos = disfunção avançada.
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Cortisol salivar + curva diurna com melatonina (teste DUTCH)
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O mais completo.
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Mostra ritmo circadiano e metabolismo hormonal.
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📖 Referência: Clinical Endocrinology (2017) — o padrão diurno de cortisol é um dos melhores indicadores do impacto do stress crónico.
Sinais de alerta de disfunção do eixo HPA
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Fadiga mesmo após dormir bem.
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Dificuldade em acordar.
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Pico de energia à noite.
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Queda de cabelo.
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Irritabilidade e ansiedade.
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Pressão arterial baixa.
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Vontade de sal ou açúcar.
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Recuperação lenta após esforço físico.
Estes sintomas não significam “fadiga adrenal”, mas indicam necessidade de reequilibrar o eixo HPA.
Estratégias baseadas em evidência para regular o cortisol
1. Sono consistente
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Ir para a cama antes das 23h.
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Evitar luz azul 1h antes de dormir.
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Priorizar 7–9h de sono.
2. Pequeno-almoço rico em proteína
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Reduz picos de cortisol e glicemia.
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Ex.: ovos, aveia com proteína, iogurte + sementes.
3. Movimento regular
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Caminhadas ao ar livre.
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Exercício de força 2–3x/semana (não extenuante).
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Yoga e alongamentos ao final do dia.
4. Gestão do stress
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Respiração diafragmática (3x/dia).
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Mindfulness e journaling.
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Suporte emocional (terapia, tempo na natureza).
5. Suplementos com evidência
(avaliar sempre individualmente)
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Magnésio glicinato ou citrato: relaxamento e sono.
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Ashwagandha / Rhodiola: adaptogénios que equilibram cortisol.
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Vitamina C e B5: suportam função adrenal.
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Ómega-3: modula resposta inflamatória do stress.
Quando procurar ajuda profissional

Se sente fadiga persistente há meses, alterações de humor, peso e sono, pode estar perante disfunção do eixo HPA associada ao stress crónico.
Avaliar cortisol e DHEA em diferentes momentos do dia permite compreender o seu padrão pessoal e iniciar um plano de correção baseado em dados.
👉 No Programa 3M, trabalhamos o equilíbrio do eixo HPA em três frentes:
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Sono e ritmo circadiano.
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Nutrição estabilizadora.
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Regulação do stress e energia.
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Conclusão
A “fadiga adrenal” como diagnóstico não existe — mas a disfunção do eixo HPA é real, mensurável e tratável.
O stress crónico afeta o corpo de forma silenciosa, mas previsível — e o primeiro passo é compreender o seu próprio ritmo hormonal.
Equilibrar o cortisol não é apenas “tratar o stress”: é recuperar a energia, o foco e o bem-estar integral.
📚 Referências
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Cadegiani FA, Kater CE. Adrenal fatigue does not exist: a systematic review. BMC Endocr Disord. 2016;16(1):48. doi:10.1186/s12902-016-0128-4.
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Fries E, Dettenborn L, Kirschbaum C. The cortisol awakening response (CAR): facts and future directions. Int J Psychophysiol. 2009;72(1):67–73.
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Miller GE, Chen E, Zhou ES. If it goes up, must it come down? Chronic stress and the hypothalamic–pituitary–adrenal axis in humans. Psychol Bull. 2007;133(1):25–45.
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Pruessner JC et al. Two formulas for computation of the area under the curve represent measures of total hormone concentration versus time-dependent change. Psychoneuroendocrinology. 2003;28(7):916–931.
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Kudielka BM, Kirschbaum C. Sex differences in HPA axis responses to stress: a review. Biol Psychol. 2005;69(1):113–132.